O bloco do Baixo Augusta revoltou-se com a detenção de repórteres pela PM de São Paulo com a mesma urgência com que reduziu a “acidente” o homicídio de um outro, no Rio, por seus queridos milicianos encapuzados – e olha que, enquanto os jornalistas da capital paulista foram liberados sem problemas, como todos os 262 detidos, o que ocorreu ao cinegrafista Santiago Andrade é naturalmente irreversível.
A justa cobrança pela punição dos bem contabilizáveis abusos policiais em protestos, como o relatado pelo fotógrafo que se feriu e teve o equipamento quebrado, contrasta com o silêncio sobre esses mesmos jornalistas terem precisado se fantasiar de blocs para não serem vítimas destes. O fenômeno ocorre graças à covarde complacência com que bandos decidam quem pode ou não ficar em locais públicos, absurdo ululante que nos últimos oito meses foi mascarado de normalidade.
Só uma amiga minha levou três “duras” das novas otoridades do poder paralelo, em torno da praça da República, na região central paulistana, questionada sobre se era P2 (PM de serviço reservado) infiltrada – como se fizesse sentido a noção de ‘infiltração’ em um espaço que é... público.
Há, porém, quem ganhe (bem) para dizer que os “jovens” estão “arrebentando e quebrando” porque suas pautas “não são ouvidas”, como a relatora especial da ONU Raquel Rolnik, na “Folha de S.Paulo”, com a mesma lógica de quem aceita uma surra na mulher de malandro por não pôr a janta na hora – e ainda repete os dados de que veio de PMs a maioria das agressões a repórteres, omitindo que esses precisam se disfarçar para não serem perseguidos por seus “jovens”.
A mesma edição da “Folha” mostra que “atender as ruas” é o oposto do que fantasia sua colunista, também professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Nela, uma pesquisa do Datafolha aponta o menor apoio aos protestos desde junho (52%), em uma queda puxada por aqueles que ganham até dois salários mínimos, entre os quais os contrários (49%) já superam os favoráveis (43%).
O que acontece é que teóricos de gabinete – conforme definidos por Edmund Burke – nada entendem de pessoas reais e só enxergam o tal povo por trás das alegorias ideológicas que os tornam as colombinas de seus enredos. Mas, livre das máscaras que lhes imputam, quem não consegue voltar para casa porque um protesto à base de rojões e coquetéis molotov contra policiais – ou quem estiver na frente – fechou a Central do Brasil ou avenida Presidente Vargas já parece cansado de servir, à revelia, como porta-bandeira de moleques mimados e violentos que não aceitam o contraditório.
PS: que o digam os passageiros da linha 474 (Jacaré-Jardim de Alah) que, nem aí para o aumento anual da passagem o qual serviu de desculpa para as primeiras manifestações ‘espontâneas’, deixaram claro à militante profissional conhecida por Sininho, com sua camiseta dizendo “Favela não se cala”, que ela não era bem vinda ali – o direito de negar alguém a entrar em um ônibus é o mesmo de proibir a permanência de repórteres em espaço público (nenhum), mas ali, pelo menos, a atitude foi, de fato, espontânea, e não um espasmo de totalitarismo político.
Adaptado e ampliado da coluna publicada hoje, 26 de fevereiro de 2014, no jornal Destak.