terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Fantasia das ruas

O bloco do Baixo Augusta revoltou-se com a detenção de repórteres pela PM de São Paulo com a mesma urgência com que reduziu a “acidente” o homicídio de um outro, no Rio, por seus queridos milicianos encapuzados – e olha que, enquanto os jornalistas da capital paulista foram liberados sem problemas, como todos os 262 detidos, o que ocorreu ao cinegrafista Santiago Andrade é naturalmente irreversível.

A justa cobrança pela punição dos bem contabilizáveis abusos policiais em protestos, como o relatado pelo fotógrafo que se feriu e teve o equipamento quebrado, contrasta com o silêncio sobre esses mesmos jornalistas terem precisado se fantasiar de blocs para não serem vítimas destes. O fenômeno ocorre graças à covarde complacência com que bandos decidam quem pode ou não ficar em locais públicos, absurdo ululante que nos últimos oito meses foi mascarado de normalidade.

Só uma amiga minha levou três “duras” das novas otoridades do poder paralelo, em torno da praça da República, na região central paulistana, questionada sobre se era P2 (PM de serviço reservado) infiltrada – como se fizesse sentido a noção de ‘infiltração’ em um espaço que é... público.

Há, porém, quem ganhe (bem) para dizer que os “jovens” estão “arrebentando e quebrando” porque suas pautas “não são ouvidas”, como a relatora especial da ONU Raquel Rolnik, na “Folha de S.Paulo”, com a mesma lógica de quem aceita uma surra na mulher de malandro por não pôr a janta na hora – e ainda repete os dados de que veio de PMs a maioria das agressões a repórteres, omitindo que esses precisam se disfarçar para não serem perseguidos por seus “jovens”.

A mesma edição da “Folha” mostra que “atender as ruas” é o oposto do que fantasia sua colunista, também professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Nela, uma pesquisa do Datafolha aponta o menor apoio aos protestos desde junho (52%), em uma queda puxada por aqueles que ganham até dois salários mínimos, entre os quais os contrários (49%) já superam os favoráveis (43%).

O que acontece é que teóricos de gabinete – conforme definidos por Edmund Burke – nada entendem de pessoas reais e só enxergam o tal povo por trás das alegorias ideológicas que os tornam as colombinas de seus enredos. Mas, livre das máscaras que lhes imputam, quem não consegue voltar para casa porque um protesto à base de rojões e coquetéis molotov contra policiais – ou quem estiver na frente – fechou a Central do Brasil ou avenida Presidente Vargas já parece cansado de servir, à revelia, como porta-bandeira de moleques mimados e violentos que não aceitam o contraditório.

PS: que o digam os passageiros da linha 474 (Jacaré-Jardim de Alah) que, nem aí para o aumento anual da passagem o qual serviu de desculpa para as primeiras manifestações ‘espontâneas’, deixaram claro à militante profissional conhecida por Sininho, com sua camiseta dizendo “Favela não se cala”, que ela não era bem vinda ali – o direito de negar alguém a entrar em um ônibus é o mesmo de proibir a permanência de repórteres em espaço público (nenhum), mas ali, pelo menos, a atitude foi, de fato, espontânea, e não um espasmo de totalitarismo político.

Adaptado e ampliado da coluna publicada hoje, 26 de fevereiro de 2014, no jornal Destak.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

À procura do Capitão Gancho

Na trama de J.M. Barrie, Peter Pan é um garoto que se recusa a crescer. No Brasil atual, a PM cumpre o papel do capitão Gancho, mas quais pensamentos bons fazem nossa linda juventude voar quando o vilão oficial não se confirma na vida como ela é?

A mágica da sustentação dissimulada a militantes violentos para tirar a culpa pelo homicídio de um cinegrafista vai de apontar o dedo à PM como maior agressora de jornalistas – omitindo que estes precisam se esconder de “manifestantes”– a iniciante dos confrontos – uma piada involuntária que qualquer um que os cobriu sabe ser tão real quanto uma nota no valor da passagem de ônibus no Rio*.

No entanto, nenhum factoide superou o de tentar apagar a conivência dos arautos da Primavera Carioca, comprovada por suas próprias declarações – por mais que as tentem apagar à soviética, como fez Edilson Silva, da executiva nacional do Psol.

Na Terra do Nunca das redessociais, o clamor não é por uma investigação séria da denúncia de financiamento à violência, mas por enterrá-la a priori, junto com a declaração do suspeito preso de que temia ser morto por “pessoas envolvidas nas manifestações” – e sem nenhuma moção de apoio ao fotógrafo que escondeu a identidade pelo mesmo motivo, após registrar o rojão mortal.

"Com medo de represálias, por ter sofrido ameaças nas ruas durante os protestos, ele preferiu gravar sem mostrar o rosto e sem que o nome dele fosse divulgado", mas foi simplesmente ignorado pelo Sindicato dos Jornalistas, tratado como uma "impessoa".

De volta do conto de fadas, não foi o aumento anual da tarifa – pretexto para o advento das depredações – que revoltou os passageiros. Com a frase “favela não se cala” na camiseta, a militante apelidada Sininho viu usuários do ônibus 474, vindo da favela do Jacaré, abrirem a boca para chamá-la de “patricinha hipócrita”. Não foi por R$ 0,25. Foi contra quem só quer usá-los politicamente.

(Ampliada da coluna originalmente publicada hoje, 19 de fevereiro de 2014, no jornal Destak, sob o título 'Capitão Gancho'. Trechos contínuos em itálico foram acrescidos ao texto original).



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Faixas-bônus

PS:Pouco antes, a mesma, que já chamara um PM de “macaco”, servira de escudo para um companheiro dessa turma cujo lema é ‘Não tem arrego!’ que, após ameaçar outro cinegrafista(“espero que você seja o próximo”).

*PS 2: o mesmo princípio se aplica contra revisionismos retóricos como o do livre-docente da USP que, na Folha de S.Paulo, atribui

à polícia todas as outras mortes em manifestações desde julho, porque se deveriam unicamente às vítimas estarem fugindo de policiais, como se não houvesse nem a hipótese de os conflitos terem sido iniciados por tentou furar bloqueios policiais e os atacou com bombas caseiras e coquetéis molotov.

E isso quando os policiais militares não são os alvos primordiais de espancamentos, como o do coronel Reynaldo Rossi, em outubro, em São Paulo – quando um dos agressores foi indiciado por tentativa de homicídio – e de outro PM no Rio de Janeiro, ainda em junho.

PS 3: Não é à toa que o Lobão titulou seu segundo livro como Manifesto do Nada na Terra do Nunca, sobre este país que se recusa a crescer.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O que não tem explicação

Sabe onde o bando que prendeu um ladrão adolescente pelo pescoço com uma apertada trava de bicicleta foi chamado pela primeira vez de "grupo de criminosos"? Foi na editoria de Brasil do Destak. Independente de seus antecedentes, os envolvidos passaram muito da legítima defesa, já estando ele rendido.

Chamar as coisas pelo que são deveria ser simples, mas nem sempre tem sido. Condenar sem mais delongas a violência de ditos "manifestantes" custa a expulsão do Clube das Pessoas Legais e interrompe o sonho dourado das Jornadas de Junho.

No Rio, o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) disse, após a morte do cinegrafista Santiago Andrade, da Band, que "nada justifica a atuação violenta de manifestantes". Concordo; é pena ele ter dito há cinco meses não ser “juiz para ficar avaliando os métodos em si”, quando questionado sobre Black Blocs. Um julgamento negativo poderia ajudar a freá-los então.

O Sindicato dos Jornalistas do Rio tenta "aproximação" com "manifestantes" para "dirimir a hostilidade nas ruas", enquanto acusa Rachel Sheherazade, âncora do SBT, de "apologia à violência", por achar "compreensível" o que houve no Aterro do Flamengo.

Então em campanha, a atual presidente do sindicato, Paula Máiran, disse que repórteres serem "expulsos ou mesmo agredidos nas manifestações de rua (...) tem explicação". O que não é compreensível nem tem explicação é por que criminosos revidarem a outro criminoso seria menos compreensível do que criminosos agredirem trabalhadores. Mas dizer isso pega mal.

PS: o padrão prosseguiu no desfile da Independência, em 7 de setembro, no Rio de Janeiro, quando, após o repórter Júlio Molica da Globo News ser covardemente agredido e ameaçado de morte – ainda que de forma indireta – por um bando que se autointitula "ninja", o sindicato publicar um texto a respeito cujo "lide da nota sequer cita as agressões cometidas por manifestantes", escondendo-a no pé do artigo e tentando transferir a culpa da agressão aos veículos de comunicação, como ressaltou Fernando Molica, jornalista e pai de Júlio, sobre esses "meninos mimados e violentos que não suportam o contraditório".

Adaptado da coluna publicada originalmente no jornal Destak, em 12 de fevereiro de 2014. O PS em itálico não está no jornal, foi acrescido em seguida.

<h1>Viagem ao fundo do Rio</h1>

Dentro do país vindo de sua pior queda de PIB (7,2%) e empregos (3,5 milhões) em dois anos, o estado com piores déficits nesses anos (R$...