quarta-feira, 31 de julho de 2013

Amarildo e a sinceridade

Cadê o Amarildo? A pergunta está em todos os cantos, até projeções de vídeo em paredes de edifícios. Até ao papa ela foi virtualmente feita, na Jornada Mundial da Juventude, o que conota a imensa preocupação dos militantes com a vida do pedreiro desaparecido há 17 dias após ser detido por PMs da UPP da Rocinha.

O caso de Amarildo é mesmo grave, como escancarou “O Globo”, em excelente matéria de Elenilce Bottari. Enquanto ela fazia reportagem, quem prefere não confiar na grande mídia malvada, seguia só gritando palavras de ordem – que, por coerência, também gritaram nos (muitos) casos semelhantes e recentes.

Será?

Dois policiais militares respondem pela morte, em público, de outro pedreiro, Wagner Dias, 27, em maio, no Tocantins. Protestos? Só locais. De volta ao Rio, no último dia 12, foi adiado o julgamento de três PMs acusados de matar o estudante de direito Thiago Henry, 19, em 2008.

Outra notícia: vão a júri popular PMs acusados de matar e ocultar, naquele mesmo ano, o corpo da engenheira Patricia Amiero, 24. Manifestações, só da família dela.

PMs também respondem por matar e tentar sumir, em 2011, com o corpo de Juan Moraes, de 11 anos, na Baixada Fluminense. Nem a chacina de 29 pessoas na mesma região, em 2005, por um bando de policiais, teve protestos como os atuais. O que denota – no país de 40 mil homicídios anuais – que o zelo da militância com uma vida específica, sem mensurações de ordem política, pode ser só imaginação.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Deu no New York Times: proibido enxergar à direita

O Facebook não aceitou meu primeiro sobrenome (achou que era fake...), mas registrou qualquer imbecil com sobrenome “Guarani-Kaoiwá”. Depois dessa, o novo atestado de indigência mental no “feice”, como disse Luiz Felipe Pondé, agora é pôr, no lugar da foto, uma placa de “proibido virar à direita”.

Vai ver, isso influenciou a galera do bem que identificou como a mesma pessoa os sujeitos de duas imagens com blusas pretas e estampa branca, pois proibiram seus olhos de virarem à direita para ver onde estava o desenho na roupa do cara que parecia começar a tirá-la junto a alguns PMs. na segunda-feira, 22 de julho.

Ele seria o, segundo eles, P2 (agente do serviço reservado da PM, que trabalha à paisana) que, minutos antes, é destacado em um vídeo jogando um coquetel molotov, ou algo do tipo, em policiais na rua Pinheiro Machado, em Laranjeiras (zona sul do Rio), em frente à sede do Fluminense FC e perto do Palácio Guanabara, sede do governo, onde o papa Francisco acabara de ser recebido pelas autoridades locais, como o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes.

No vídeo, os militantes que só se viram à esquerda e adorariam proibir o movimento oposto começam a gritar “P2!, P2!”, identificando o fogueteiro como policial infiltrado com base testemunhal e documental no volume histérico de seus berros.

Em seguida – em uma sequência descontinuada da primeira imagem separada em frame –, uma mulher, bem longe da pessoa que viria a ser mostrada, grita para algum outro militante, que parece estar do lado dela, do lado focalizar o, segundo eles, P2, que caminha em sentido ao cerco policial, junto ao campo do Fluminense FC, e, pouco depois, tira a camisa: http://www.youtube.com/watch?v=7kkgK9eY7Lo

Dia seguinte:

“18:10 ah, esse é o video que nego ta compartilhando como se fosse a PROVA CABAL de que um infiltrado jogou coquetel molotov?

serio?

nao a pra ver PORRA NENHUMA

isso num tribunal nao ia nem ser considerado como prova o juiz ia rir da sua cara (...) pra achar que da pra ver algo

nem forcando muuuuito a barra”

A fala acima é a reação espontânea de um amigo meu, após assistir o vídeo. Também é o óbvio, para qualquer um que não troque a simples análise do que (não) é possível identificar visualmente pelo triunfo da vontade revolucionária.

(PS: posteriormente, um perito – e nem precisava ser – teve a mesma conclusão que o meu interlocutor: http://oglobo.globo.com/rio/homem-que-lancou-coquetel-molotov-em-pms-nao-seria-mesmo-que-aparece-entre-policias-diz-perito-9162343)

‘ARTICLE COVER IMAGE’

Pouco depois, mostrei ao mesmo amigo essa pretensa reportagem e fiquei de lhe mostrar a foto depois.

“ 19:24

João Bandeira de Mello

Brazil - Extra, Extra! BRAZILIAN POLICE FORCE LIES AND VIDEOTAPE Rio's protests after the Pope's first visit (…) it's not every day that you have undercover cops starting the chaos by throwing Molotov cocktails from the middle of the crowd into their own riot police, and make it appear it was done by the protesters... All caught on tape.

(…)

For pics see album title: Brazilian Police-Force Lies and Videotape

Article cover image: Undercover agent after infiltrating protests runs away while pulling off his shirt.

19:25

João Bandeira de Mello

Depois, te mando a foto”

(postagem inteira, para quem tiver saco:

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=549437578425802&set=a.538240216212205.1073741828.538151609554399&type=1&theater)

O ponto em si, porém, está na seguinte observação do pretenso repórter, com seu inglês ruim, segundo observação do meu amigo:

Article cover image: Undercover agent after infiltrating protests runs away while pulling off his shirt

Se a foto, que vale a pena ver de novo, prova algo é a completa falta de critério (ou de raciocínio lógico) de quem associou as duas pessoas como a mesma por causa da roupa. Qualquer um é capaz de ver, claramente, que o homem destacado no vídeo veste uma blusa com uma estampa bem no centro de frente dela, enquanto o fotografado juto aos PMs veste outra blusa, também preta, mas com estampa do lado direito, inclusive passando pela manga (da qual a estampa da roupa do atirador não chega nem perto).

Quer dizer, pensando bem, não é qualquer um que é capaz de ver não. Quem acha que é (ou deveria ser) proibido virar à direita não vai se permitir olhar o que está do lado maldito.

No rol desses, parece estar o New York Times, aquele jornal onde quem fala “menas” vira colunista e que deu aval, como suposta possível prova, até à imagem a uma terceira estampa, diferente das duas outras.

Obs.: outros dois amigos me mostram que não fui o único a perceber esse óbvio ululante:

http://heliofernandes.com.br/?p=70412

“PS – São patéticas as imagens do suposto P-2 (agente secreto da PM) que teria lançado o coquetel. Uma forçada de barra ridícula. Se era um policial infiltrado, é claro que estaria com a camiseta do grupo de vândalos, para poder se misturar a eles.

Vejam os vídeos que supostamente mostrariam o PM P-2 infiltrado jogando o coquetel molotov…

http://youtu.be/7kkgK9eY7Lo

http://youtu.be/0vEnToPyex8

Vejam agora a foto do PM, antes de tirar a camiseta, e notem que a estampa não fica no centro da camiseta, mas do lado direito, inclusive sobre a manga. Ou seja, ele não é o lançador do coquetel molotov. Mas os adeptos da “teoria da conspiração não sossegam”.”

quarta-feira, 24 de julho de 2013

A Paz invadiu o nosso Brasil

Em um exercício simulado, policiais encontraram uma bomba no Santuário de Aparecida do Norte (SP), que Francisco visita hoje, mas nem precisavam achá-la. “A principal segurança do papa é o entusiasmo, a tradição de paz e de fraternidade do povo brasileiro”, assegurou Gilberto Carvalho, o secretário-geral da Presidência, com aquela fé na garantia das próprias palavras quase tão certa quanto a do Seu Creysson.

No dia seguinte aos versículos de Carvalho, alguns “manifestantes” mostraram toda sua fraternidade ao depredar todo o bairro do Leblon, após tentativa frustrada de cercar o prédio onde mora o governador Sérgio Cabral.

Já em sua chegada, Francisco foi pop no Centro do Rio, onde seu desfile em carro aberto e sem blindagem teve a sorte de receber só love. Mas isso porque Laranjeiras, onde ele seria recebido no Palácio Guanabara, já se preparava para mais um protesto bem pacífico, com direito a fechar ruas, incendiar postes e soltar bombas. A PM ainda deu uma força, ao prender dois militantes que transmitiam os atos e dar ares de mártires a quem, de fato, não correu grande risco.

No Brasil fraterno de Gilberto, a paz invade os corações de forma a nunca perdermos a Copa do Mundo do número absoluto de homicídios. Somos imbatíveis, com placares de 43 mil a 51 mil assassinados por ano. Já na proporção por habitantes, ao invés do ranking da Fifa, nunca saímos do G-10. Se o papa não quiser levar um tiro à queima-roupa, é uma boa ideia negar 51 mil vezes o que diz o apóstolo do Planalto.

"Eu agarantcho!"

quarta-feira, 17 de julho de 2013

3 anos, 2 indivíduos e 1 mero bando

Quando cobri as eleições em 2010, o governador Sérgio Cabral (PMDB) candidato à reeleição virou duas vezes para a candidata a presidentA Dilma Rousseff (PT) falando para ela não responder minha pergunta de então (está gravado).

Por quê? Não sei dizer ao certo, mas, por exemplo... quando, em um ato de campanha com o Picciani, candidato ao Senado pelo PMDB, Cabral não citou o nome do outro candidato da coligação, Lindbergh Farias (PT), que acabaria se elegendo, perguntei a ele por quê. O governador virou e foi embora, sem me responder. Mais tarde, a assessoria de imprensa dele mandou uma nota de resposta – que, ao vivo, ele não dera.

Um mês antes, mostrei, sozinho, que a Suderj (Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro) informou à criançada da Rocinha que faria uma aula extra de natação no Complexo Esportivo da favela em uma segunda-feira – dia de manutenção da piscina – só para servir de cenário para um vídeo de campanha da Dilma. Funcionários estaduais, pagos com dinheiro público, trabalharam na prática para a campanha da futura presidentA, aliada do já governador.

Falando em complexos esportivos, um ano antes, em Manguinhos, favela braba da zona norte carioca, o mesmo Cabral chamou gentilmente de "otário e sacana" o menino Leandro de Paula, que reclamava da atividade da PM na rua dele – na dele mesmo, não na do governador.

O mesmo garoto também pediu a Lula (PT) uma quadra de tênis no parque esportivo de Manguinhos, ao que o então presidente respondeu-lhe, com toda a sua bondade, dizendo que "tênis é esporte da burguesia" e disse que ele fizesse natação. Informado de que a piscina vivia fechada, "o cara" ficou preocupado e recomendou cuidado, não por zelar pelo uso efetivo dela, mas por uma possível repercussão negativa, caso tudo saísse na imprensa. Curiosamente (aliás, nem), nada disso desencadeou nenhum protesto na época, há três anos.

Sozinho, Leandro expôs Cabral e Lula (eu, um pouquinho, quanto ao uso privado e partidário do público na campanha em comum deles) sem se juntar nenhum bando para berrar palavras de ordem, ameaçar e revogar, na marra, o direito de ir e vir de ninguém – muito menos se fazer de vítima – como ocorre hoje. A diferença é que, como diz o Lobão, o frouxo unido jamais será um indivíduo.

RJ: em evento com Picciani, Cabral não pede votos para Lindberg

Governo do Rio faz aula de natação para propaganda de Dilma

Em vídeo Sergio Cabral, ao lado de Lula, chama rapaz de otário e sacana

Não posso deixar de perder

O programador americano Scott Garner é o santo papa dos que evitam encontros indesejados. Criado por ele, o aplicativo Hell is other people (“O Inferno são os outros”, em inglês) indica quem fez check-in, pelo Foursquare, de onde esteve desenha um mapa de locais onde há risco de esbarrar com aquele sujeito que vive pedindo dinheiro emprestado.

Quem marca todo lugar por onde passa é um ególatra que deve mesmo ser evitado, mas, se o leitor detesta o que lê aqui, ofereço esse pequeno guia de onde que dificilmente me verá.

1) Roda de samba: o problema é menos a música que o clima. Há sambas excelentes, como o apocalíptico “Juízo Final”, do Nelson Cavaquinho. Na contramão, as rodas são congraçamentos em que todo mundo é chamado a cantar junto, de braços abertos e rindo sem parar. Haja cãibra no maxilar.

2) Peça do Zé Celso Martinez, das quais os atores tiram os espectadores para participar; o público paga ingresso e mico, quando deveria ganhar cachê.

3) Rock in Rio: longe, com atrações medíocres e/ou repetidas.

4) Protestos da moda contra tudo-isso-que-está-aí. Movimentos de massa raramente têm grande massa encefálica. Quando creem até em transporte grátis, esse risco é zero.

5) Argentina. Essa pelo menos enquanto for “in” nas mesas de bar descoladas, por “lembrar a Europa”. Tento juntar mais dinheiro e ir para a própria.

Publicada em 17 de julho no jornal Destak, com o título Não dá para não perder

terça-feira, 16 de julho de 2013

Um reload no monopólio atribuído da violência

Assim como a fotos (únicas?) do Rafael Pereira, da cabine da PM depredada e dos bombeiros apagando o incêndio criminoso protegidos pelo cordão policial, as observações do Carlos André, vulgo Chacal, valem um reload. Como ele escreveu, "Ninguém faz um coquetel molotov por acaso, com materiais catados no chão. Ninguém encontra acidentalmente paus, pedras e outros objetos contundentes debaixo de bancas de jornal. Se por um lado a ação policial é sempre em proporção maior e inevitavelmente vai acertar gente que não tem nada a ver com a história, sempre vão existir os baderneiros profissionais, que pra mim são BANDIDOS, e teoricamente podem aparecer em qualquer passeata que se diga pacífica. Se eu tivesse que escolher, ficaria do lado da polícia. Mas não preciso, porque muito antes de dar a primeira merda eu já era contra todas estas manifestações".

Também vale pelo toque do Paulo André, o PA, da informação que todos (e só) os militantes de esquerda (sempre) têm: "São PMS infiltrados (...), você não sabia? O governo tem um contingente secreto de milhares de soldados treinados pela CIA em táticas de guerrilha."

O original, com dois ou três pequenos retoques:

Gás lacrimogêneo nos olhos, depois que um manifestante pacífico e do bem jogou rojão em cima de PMs do Batalhão de Choque, que vinham da Av. 13 de maio para o Largo da Carioca, como eu já avistara. Os policiais, então, reagiram com as bombas e partiram pra cima.

Antes disso, outro grupo do BPChopque já havia jogado outras bombas na Avenida República do Chile, afastando outros manifestantes pacíficos que haviam incendiado diversos equipamentos pela pista, como a banca de um livreiro e uma cabine de táxis, além de depredar uma outra cabine, da própria PM, e abrir caminho para os bombeiros.

Eles avançaram em sentido à Rua do Lavradio e, então, um grupo de cerca de 20 PMs comuns, de cassetetes na mão, ficou guardando a pista para evitar que uma entrada em massa impedisse os bombeiros de apagar o fogo.

Um grupo de centenas de pessoas legais – algumas das quais, mascaradas – provocava os poucos policiais com saudações do tipo "puta que pariu, é a PM mais cagona do Brasil”. Nisso, veio o Choque, o sujeito gente boa e pacífico jogou rojão nos PMs, que, então, jogaram as bombas e geral correu.

A violência – inclusive o rojão e as cabines queimadas ou depredadas – foi toda da polícia e ,se o outro a atacou, também foi culpa dela, como (só) sabem e repetem (todas) as Pessoas Legais que creem que nada parecer impossível de mudar.

(foto de Rafael Pereira)

quinta-feira, 11 de julho de 2013

O monopólio atribuído da violência

Gás lacrimogêneo nos olhos, depois que um manifestante pacífico e do bem jogou rojão em cima de PMs do Batalhão de Choque, que vinham da Av. 13 de maio para o Largo da Carioca, como eu já avistara. Os policiais, então, reagiram com as bombas e partiram pra cima.

Antes disso, outro grupo do BPChopque já havia jogado outras bombas na Avenida República do Chile, afastando outros manifestantes pacíficos que haviam incendiado diversos equipamentos pela pista, como a banca de um livreiro e uma cabine de táxis, além de depredar uma outra cabine, da própria PM, e abrir caminho para os bombeiros.

Eles avançaram em sentido à Rua do Lavradio e, então, um grupo de cerca de 20 PMs comuns, de cassetetes na mão, ficou guardando a pista para evitar que uma entrada em massa impedisse os bombeiros de apagar o fogo.

Um grupo de centenas de pessoas legais – algumas das quais, mascaradas – provocava os poucos policiais com saudações do tipo "puta que pariu, é a PM mais cagona do Brasil”. Nisso, veio o Choque, o sujeito gente boa e pacífico jogou rojão nos PMs, que, então, jogaram as bombas e geral correu.

A violência – inclusive o rojão e as cabines queimadas ou depredadas – foi toda da polícia. Se o outro a atacou, também foi culpa dela, como sabem e repetem todas as Pessoas Legais que creem que nada parecer impossível de mudar.

(foto de Rafael Pereira)

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Quem quer ser escravo do governo?

A notícia de que o STF poderá punir empresas que terceirizam mão de obra em condições “análogas à escravidão” excitou o Clube das Pessoas Legais, tal como a medida do Governo de obrigar formandos em medicina a trabalhar dois anos no SUS, sob pena de não terem os diplomas.

No primeiro caso, o trabalho “escravo” será combatido; no segundo, mais doutores para pobres, creem os “do bem”.

O que a lei chama de “análogo à escravidão”, entretanto, inclui qualquer má condição, como alojamentos ruins. É um mau trato, sem dúvida, mas nada tem de trabalho escravo – que é ser obrigado a trabalhar.

A carência de atendimento médico também é evidente não só no interior como até nas grandes capitais, ao contrário do SUS próximo da perfeição imaginado pelo então presidente Lula, em 2006.

Há várias formas para tentar melhorar esse quadro: de flexibilizar a sufocante lei trabalhista para que mais médicos sejam contratados a parar de impor o que planos de saúde privados devem atender, algo que só os encarece e impede mais pessoas de contratarem seguros médicos conforme suas possibilidades de renda.

Que direito tem o Governo de decidir onde e para quem você deve trabalhar? Quem está mais próximo de escravizar trabalhadores senão o próprio?

(PS: que ainda pode desestimular a formação de médicos).

Publicada em 10 de julho de 2013 no jornal Destak, sob o título original 'O que é mais escravidão?'

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Distorção hedionda

Subúrbio carioca, carro sem IPVA. “Vem de onde?”, pergunta o PM. “Do cinema”, responde o motorista, seguido pela réplica: “foi ver o quê?”. Ainda sem sacar por que a pergunta, ele diz que foi ver “Shrek”, para então entender. “E tem condição de o seu amigo assistir ‘Shrek’ amanhã?”. Já sem dinheiro, apela ao PM. “O filme, não dá, mas posso garantir seu lanche”, negocia, abrindo o talão de tickets-refeição, ainda em papel, no já velho ano 2000.

Caso a corrupção já fosse dada como crime hediondo, o caso, real, seria julgado como mais grave do que qualquer homicídio que não fosse qualificado no Código Penal por ter recompensa, ocultação de um outro crime, motivo fútil, meio cruel ou impossibilidade de defesa.

A Lei dos Crimes Hediondos foi feita em 1990 para endurecer as penas de criminosos que cometessem atos bárbaros contra a vida alheia, como tais assassinatos e estupros. Incluir nesse rol a corrupção não é condição para ela ser punida – vide os mensaleiros condenados – nem escapa à questão: é mais grave “molhar a mão” de um guarda que matar alguém?

Outro exemplo real: há duas semanas, um bando quase linchou um policial, em manifestação “pacífica” no Rio. Subornar um PM não é correto, mas espancar um é menos ruim?

PS: a teoria de que a Espanha teria entregado a final da Copa das Confederações é a mais imbecil desde a “compra da Copa de 1998” pela Nike.

Não existe transporte grátis

A líder do Movimento Passe Livre não é Deus, mas escreve certo por linhas tortas ao apontar “falta de preparo” da Presidência sobre transportes. Óbvio. Se Dilma Rousseff tivesse preparo jamais teria recebido no Planalto o grupo que tornou a população refém de suas passeatas tranca-rua em que vandalismo e violência foram praxe, não exceção.

No país das maravilhas do MPL, o transporte é um “direito social e que deve ter um controle social” e “tarifa zero”. Só que não há transporte grátis, só a camuflagem do preço nos impostos, fazendo pobres pagaram passagem (alheia) mesmo se foram a pé ao trabalho.

Falando neles, basta circular pelos subúrbios do Rio para ver, nas inúmeras vans e kombis, que foi a iniciativa privada, sem concessão do Estado, que atendeu à demanda do povo por melhor transporte – o que o MPL tenta, já com apoio da Câmara dos Deputados, é tornar total o monopólio estatal, que nunca atende a demanda nenhuma das pessoas comuns.

Crer que isso mudará por vontade política tão lógico quanto crer em melhora via reforma política proposta por quem está no poder. Ou via Constituinte quando, ao contrário dos anos 80, o Brasil não sai de um período ditatorial. Em um regime democrático, alterar casuisticamente a Constituição serve a fins como os alcançados em países que fizeram isso recentemente, como Bolívia Venezuela: inflação, criminalidade e cerco a instituições fundamentais à democracia – estatais, como o Poder Judiciário, ou não, como a livre iniciativa e a imprensa.

Quando a nova interlocutora da presidente fala em “controle social”, ainda que de outro setor, estatal, e manifestantes gritam “culpem a imprensa” enquanto ensaiam uma saudação com o braços estendidos no ar, vale lembrar do mandamento de que “os jornais que colidirem com o interesse geral devem ser interditados”. Ele foi dado há exatos 80 anos, na Alemanha, pelo Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores. Em “Hitler e os Alemães”, Eric Voegelin aponta que sociedade alemã da época possibilitou a ascensão daqueles lá. Não se trata de ver o mesmo no Brasil, mas, quando um terço dos entrevistados pelo Ibope considera depredações aceitáveis para determinados fins, o apoio dos brasileiros a alguma forma de totalitarismo não parece tão distante assim.

(Publicada em 26 de junho de 2013 no jornal Destak)

<h1>Viagem ao fundo do Rio</h1>

Dentro do país vindo de sua pior queda de PIB (7,2%) e empregos (3,5 milhões) em dois anos, o estado com piores déficits nesses anos (R$...