segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Viagem ao fundo do Rio

Dentro do país vindo de sua pior queda de PIB (7,2%) e empregos (3,5 milhões) em dois anos, o estado com piores déficits nesses anos (R$ 17,5 bilhões em 2016, R$ 10 bilhões previstos em 2017) e sua capital precisando cortar R$ 3,2 bilhões do orçamento de 2017.

Falando assim, custa crer que, há menos de dez anos, as figuras de proa da política municipal, estadual e nacional nadavam de braçada aqui, juntas e misturadas decolando nos braços do Cristo Redentor da capa da Economist.

A terra arrasada que os números ilustram salta aos olhos em imagens como as de seguidas obras inacabadas e paradas que, há pouco mais de meia década, eram símbolo dessa suposta Renascença carioca.

(Arte:Vitor Dornelles)

Uma mera viagem de ônibus que faço entre a minha casa, na Lapa, e a minha mãe, no Leblon, é suficiente para um considerável passeio turístico sobre essas ruínas dos tempos de Cabral, em um trajeto que pode ser bem visualizado abrindo o mapa logo acima.

BRT: legado olímpico de obras paradas

(Carlos Magno/Divulgação)

O roteiro temático aumenta pegando desde o início a linha que liga os dois bairros, na rodoviária Novo Rio, de onde sai o Troncal 2 (Rodoviária-Jardim de Alah), entre as regiões norte e central, sendo local de baldeação para gente de toda a região metropolitana. Um passageiro que viesse de Deodoro, entre as zonas norte e oeste, teria reduzido em 40% seu tempo médio de 1 hora nos 25 km de ônibus até rodoviária graças ao corredor expresso BRT Transbrasil.

Teria, porque, anunciado para os Jogos de 2016, o corredor atrasou a largada e saiu do projeto olímpico em 2014. Lembra do prefeito Eduardo Paes e do governador Sérgio Cabral Filho(PMDB) comemorando, com o presidente Lula (PT) a escolha do Rio para sediar a Olimpíada? Pois é, foi em 2009. Tempo não faltou.

As obras só voltaram em abril deste ano, com custo extra de R$ 115 bilhões, totalizando R$ 1,4 bilhão e previsão de conclusão até julho de 2018 – e só até o Caju, 2 km antes da rodoviária. O prefeito Marcelo Crivella (PRB), outro aliado de 2010, nem tem previsão de quando o BRT chega à rodoviária e à Central do Brasil.

(Mendigo dorme na obra parada do BRT - Reprodução/TV Globo)

Berço do samba estatal

Embarcando no Troncal 2 na rodoviária, Crivella faz parte do próximo enredo da viagem rumo ao Leblon. A linha passa pelo Sambódromo, construído em 1983, pelo governo de Leonel Brizola e de onde desfilam as escolas de samba do Grupo Especial.

Para economizar, o prefeito cortou metade dos R$ 26 milhões de dinheiro público dados pela prefeitura às agremiações, que passaram a ser “só” R$ 13 milhões.

Crivella podia ter viabilizado mais R$ 10 milhões para as escolas, oferecidos pelo Uber. Mas o prefeito ignorou a oferta de patrocínio sem uso de dinheiro público e, na semana passada, optou por um oferecimento inferior, de R$ 8 milhões, do Ministério da Cultura, via Lei Rouanet e Caixa Econômica Federal.

(Edivaldo Reis/PRB)

Côrtes informa: sai Iaserj, entra Inca.. bom, entram mosquitos

“O governador mandou dar um presente para o Inca, e o presente será a futura cessão do prédio do Iaserj… (aplausos acalorados) O governador… (...) O presente não é para o Inca: o presente é para a população do Rio de Janeiro (aplausos), que vai poder ter na ampliação do nosso Instituto, do nosso Inca, aumentar a assistência para a nossa população, e com certeza melhorar ainda mais a assistência à oncologia no país. Muito obrigado. (Aplausos.) "”

No discurso transcrito acima, há 10 anos, com os aplausos em destaque, o então secretário estadual de Saúde, Sérgio Côrtes celebrava o presente que seu chefe, Sérgio Cabral daria ao Instituto Nacional do Câncer, sob gestão de seus companheiros Lula José Gomes Temporão, então ministro da Saúde.

Cinco anos depois, Cabral enfim demoliu o hospital do Instituto dos Aposentados e Pensionistas do Estado do Rio de Janeiro – que mal ou bem funcionava – e, em seu lugar, deu de presente aos vizinhos um terreno baldio com matagal e criação de mosquitos.

Terreno bladio que se tornou a obra parada do Inca

Em 2015, (mais uma) investigada pela Lava Jato, a construtora Schahin parou as obras, estimadas inicialmente em R$ 500 milhões, pelas quais era responsável e, onde doenças eram tratadas, ficou mais fácil contraí-las.

Ali fica o ponto inicial do Troncal 10 (Cruz Vermelha-Jardim de Alah), de trajeto similar ao do nosso Troncal 2 – ao qual se encontrará ao dobrar sua primeira esquina, na rua do Riachuelo.

Antes disso, na mesma rua Washington Luiz onde para o Troncal 10, uma placa do Governo do Estado ainda anuncia uma reforma de quase R$ 50 milhões no IEC (Instituto Nacional do Cérebro), ainda que ela tenha parado por falta de pagamento – depois de ser inaugurada, em 2013.

Em visita ao IEC, há dois meses, o presidente Michel Temer prometeu bancar, através do Ministério da Saúde, os R$ 23 milhões que faltam para terminar a obra em 2018.

Mais cautelosa em seu caso, a assessoria de imprensa do Inca respondeu que “a continuidade da obra depende da atualização do projeto e consequente realização de nova licitação, cujos trâmites já se iniciaram” e que “o orçamento está sendo redimensionado”.

Tal qual a Schahin, a maioria dos protagonistas do aplaudido discurso de 10 anos atrás são hoje personagens da Lava Jato: Côrtes preso, Lula condenado, Cabral preso e condenado.

Dias de Glória

Saindo da Lapa, após o Outeiro e sobre o espaço do Aterro, a paisagem se mostra útil ao nos apresentar ao maior Campeão Nacional da Era Lula e seu grande financiador.

Com a importância histórica das ruínas, mas de memória recente, o majestoso Hotel Glória tornou-se algo como um palácio em ruínas desde que, em 2013, o empresário Eike Batista, seu arrendatário, parou as obras da reforma que iniciara dois anos antes, ao receber 66% de todo o valor até então financiado pelo BNDES para o um programa para ampliar a capacidade da rede hoteleira até a Copa do Mundo de 2014.

Ali, Eike havia arrebatado R$ 146,5 milhões dos R$ 220 milhões destinados pelo BNDES ao ProCopa e que bancariam mais de metade dos R$ 260 milhões previstos para a ampliação do hotel.

(Lateral onde seria a ampliação)

Repassado ao Mubdala, fundo de investimento dos Emirados Árabes, o Glória tem como destino mais provável um empreendimento comercial, mas sem previsão de prazo.

Um pouco adiante, também sem previsão, está outro grande edifício arrendado por Eike. O Clube de Regatas do Flamengo tenta hoje achar alguém que compre sua sede no morro da Viúva, um edifício de 150 andares que o empresário adquiriu em 2012, para transformar em um hotel cinco estrelas de 450 quartos, em investimento de mais de R$ 100 milhões, mas cujo dinheiro acabou em R$ 19 milhões.

É menos do que a multa de R$ 21 milhões aos quais a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) condenou, por uso de informações privilegiadas em vendas de ações da OSX, o empresário – mais um escalado no time dos presos pela Lava Jato.

Canecas e pratos finos

Deixamos o Flamengo e o botafoguense Eike e passamos para... Botafogo, onde o Troncal 2 me inspirou essa matéria, na visão de ruínas quase vizinhas, das esferas estadual e federal.

Ao dobrar a passagem, a esquina da rua General Góis Monteiro ainda tem a placa e um vigilante que protege as instalações incompletas de cozinhas industriais para Le Cordon Blue, centenária escola de culinária francês que, em 2011, teve sua filial carioca anunciada com pompa por Sérgio Cabral para o ano seguinte.

Sabe-se lá o que uma escola particular de culinária tem de assunto de governo – estaria então governador querendo reviver aqui sua inesquecível Noite dos Guardanapos no restaurante Ritz, de Paris?

(Reprodução/Arquivo Pessoal)

O fato é que a receita se repetiu e o prato prometido não ficou pronto, depois de a conta subir de R$ 4 milhões para R$ 12 milhões. Segundo a Secretaria de Ciência e Tecnologia, o estado gastou R$ 7,9 milhões e orçamento subiu mais ainda, beirando os R$ 14 milhões – a pasta afirma que, no próximo ano, a filial da Le Cordon Blue sai do papel, entre maio e junho, com R$ 6 milhões restantes investidos pela própria matriz francesa e 6 anos de atraso.

Também vem da iniciativa privada a esperança para refazer o que era feito (e deixou de ser feito, logo que o governo o encampou) em um tradicional espaço carioca logo em frente: música.

De 1968 a 2010, quase todos os principais músicos brasileiros (e alguns estrangeiros) passaram pelo Canecão, que hoje só apresenta abandono a quem o vê de frente, da General Góis Monteiro, antes de virar na avenida Lauro Sodré para entrar no Túnel Novo.

Foi para deixá-lo abandonado que, em 2010 a UFRJ retomou o Canecão na Justiça. Na época, o prefeito do campus da UFRJ, Hélio de Matos, disse que a casa de shows não seria fechada: “Queremos chamar todos os artistas para um evento e assim retomar o espaço”.

Por sua vez, o DCE, sendo DCE, clamou pela garantia de que os espaços sejam para uso “público, cultural e popular”. Em português claro: para os amigos ideológicos.

Nesses sete anos, o Canecão só teve música naqueles eventos políticos apelidados de “ocupação”: em 2012, para pedir sua transformação em um centro cultural “público” (leia-se bancado por impostos); em 2016, como “novo polo de resistência (sic) contra o golpe (sic)”. Dessa vez, a galera bradou que “a ‘ocupação’ se mantém até o Temer cair”. A ocupação não se manteve, o Temer não caiu e seu atual ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão negocia com o reitor da UFRJ, Roberto Leher, uma solução para o espaço. Para voltar a funcionar, de fato, o mais viável é... pois é: voltar a ser alugado à iniciativa privada.

Enquanto isso não ocorre, entidades de classe como a Andes (Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior) usam o Canecão “público, cultural e popular” como mural de cartazes para suas manifestações políticas, como mais uma “greve geral” que CUT e cia. tentam impor à população nesta 3ª-feira, desta vez “contra as reformas”. O estado do Canecão dá uma boa ideia do quanto essa galera é contra reformas e no que seu toque de Midas transforma as coisas de que tomam poder.

Repararam que todas as pedras fundamentais desse desastre foram lançadas entre 2007 e 2012, a maioria mais para entre 2009 e 2011? Pois é. Enquanto o Troncal 2 passa por Copacabana*, sem visão para novas ruínas em nosso trajeto, dá tempo para uma breve exposição de alguns que levaram ao naufrágio do Rio de Janeiro.

Além da crise nacional, aqui ele é mais profundo devido a fatores como a queda pela metade com a arrecadação de royalties do petróleo entre 2014 e 2016, a queda da receita líquida, o aumento de 11,4 pontos percentuais na proporção da despesa bruta com pessoal sobre a mesma, em 12 meses... e o alto endividamento com garantias da União.

Criada em 2012 por Guido Mantega, só no mês passado foi cortada a regra em que ele dava ao ministro da Fazenda – ou seja, a si mesmo – a primazia de autorizar empréstimos tomados pelos estados, pondo o governo federal como avalista. Para se ter ideia, dos $ 166,05 pagos pela União em dívidas de estados em outubro, R$ 158,23 milhões eram do Rio, que fechou 2016 como maior devedor (R$ 31,4 bilhões) e com o maior volume de dívidas não pagas no ano passado: R$ 2,27 bilhões.

Estação (sem) final

Explanação feita, voltamos ao nosso trajeto e ao ponto de chegada... ou não.

O lerdo Troncal 2 encerra sua viagem próximo à estação Jardim de Alah do metrô – por três anos, nada além de mais um tapume à vista de quem chegava ao Leblon, cujo tráfego ficou praticamente isolado.

Mais uma obra atrasada, a Linha 4 do metrô só ficou pronta às vésperas da Olimpíada de 2016, até Jardim Oceânico, na Barra da Tijuca, onde passou a fazer uma integração meia boca com o BRT – esse, sim, levando até o Parque Olímpico, sede principal dos jogos.

“Pronta” é bondade, porque a Linha 4 só pôde ser aberta ao público depois dos jogos e só saiu do papel deixando de fora a estação Gávea, que fazia parte de seu projeto. Ela estaria no meu caminho até o Leblon, seu optasse pelo Troncal 10. Também estaria no caminho, de metrô, de quem pegasse a Linha 4, mas foi deixada de fora porque não havia mais como concluí-la a tempo de ficar pronta até a Olimpíada.

Em março de 2016, a inauguração da estação Gávea passou a ser empurrada para 2018, mas hoje ela nem se imagina, com as obras paradas e apenas 42% delas concluídas, mais quando ela passará a existir de fato.

Em novembro do ano passado, o TCE (Tribunal de Contas do Estado) constatou um prejuízo de R$ 2,3 bilhões às contas públicas com a construção da Linha 4 do Metrô – embutido em parte do aumento do custo de R$ 5 bilhões para R$ 9,7 bilhões nas obras, todas a cargo de empresas e investigadas na operação Lava Jato por corrupção por corrupção: Odebrecht, Carioca e Queiroz Galvão. Só o ex-governador Sérgio Cabral Filho é acusado de ter recebido propina de R$ 50 milhões para viabilizar contratos.

Só o gasto mensal com a manutenção do canteiro de obras paradas custa R$ 3 milhões por mês ao estado.

Sem previsão de continuidade da construção, a próxima parada é no Tribunal de Justiça, que julga neste 3ª-feira a ação do Ministério Público para o ressarcimento aos cofres do estado – mais especificamente um recurso da Queiroz Galvão que tenta revogar a liminar decretando indisponibilidade de 3% da renda líquida da empresa, até o limite da dívida total.

Fotos minhas, exceto as creditadas

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